SÍNTESE: ÉTICA, ESTÉTICA E EDUCAÇÃO: A ÓTICA DE PAULO FREIRE
Paulo Freire como
referência desta breve síntese a respeito de Educação e Ética, com seu caráter
humanista e militante, que tem servido para fundamento teórico de trabalhos
acadêmicos e inspirado práticas em diversas partes do mundo, contribuindo para
o seu reconhecimento nacional e internacional como um dos grandes pensadores do
século XX, em algumas de suas obras, entre as quais; Pedagogia da Esperança,
Educação na Cidade, Pedagogia do Oprimido e À sombra desta mangueira,
contribuiu para o estudo das condições objetivas oferecidas pela sociedade à
formação integral do sujeito
Para Freire a
educação deve ter uma visão global do aluno, com sentimentos e emoções,
tornando relevante o estudo das dimensões ética e estética. A prática e a
teoria freiriana, fundamentam-se em uma ética inspirada na relação
"homem-no-mundo", ou seja, estar no mundo, e na construção de seu
"ser-no-mundo-com-os-outros", isto é, ser capaz de se relacionar com
as pessoas e com a sociedade (FREIRE, 2001c).
A expressão
desta ética se dá nas formas da estética, no resgate e na busca de todas as
formas de expressão humana - sua beleza estética própria e o aprimoramento
destas expressões. Assim, conforme nos apresenta Freire, a beleza não é
privilégio de uma classe, mas uma construção compartilhada por todos,
precisando ser conquistada a cada momento, a cada decisão, por meio de
experiências, atitudes capazes de criar e recriar o mundo.
Freire,
contudo, chama a atenção para um aspecto fundamental. Existe uma ligação
profunda entre o processo educativo e os demais processos essenciais à vida de
uma sociedade: a atividade política, econômica, cultural. O processo educativo
não é apenas uma atividade humana entre outras, mas uma dimensão inerente a
qualquer atividade do homem como ser social. Dentro desta visão a tarefa
educativa não se limita ao caso particular do sistema formal de educação. Não é
ela privilégio do educador. Assim a família, os grupos sociais, a empresa, as
associações de classe, os partidos políticos e qualquer outro tipo de organização
social são chamados a desempenhar uma tarefa educativa. Em outras palavras, a
prática educativa não é responsabilidade exclusiva dos profissionais
reconhecidos pelo sistema, mas de todos os membros da sociedade.
Freire aponta
caminhos a serem percorridos ética e esteticamente na educação que perpassam
desde a concepção da educação formal, ao compromisso, à coerência, ao respeito
profissional e à mudança, na busca de sujeitos conscientes de seu papel numa
sociedade democrática.
A educação,
segundo o autor, visa à libertação, à transformação radical da realidade, para
melhorá-la, para torná-la mais humana, para permitir que homens e mulheres
sejam reconhecidos como sujeitos de sua história e não como objetos. Freire
afirma que "Assumirmo-nos como sujeitos e objetos da História nos torna
seres da decisão, da ruptura. Seres éticos" (2001:40). Corroborando com
essa afirmação, Paulo Freire, realça a idéia de que:
O que, sobretudo, me move a ser ético é saber que, sendo a educação, por sua
própria natureza, diretiva e política, eu devo, sem jamais negar meu sonho ou
minha utopia aos educandos, respeitá-los. Defender com seriedade,
rigorosamente, mas também apaixonadamente, uma tese, uma posição, uma
preferência, estimulando e respeitando, ao mesmo tempo, ao discurso contrário,
é a melhor forma de ensinar, de um lado, o direito de termos o dever de
"brigar" por nossas idéias, por nossos sonhos e não apenas de
aprender a sintaxe do verbo haver, do outro, o respeito mútuo (FREIRE, 2002, p.
78).
Uma educação
que se mostra autoritária, não reconhecesse no aluno um ser capaz de
transformar o mundo, não levam em conta a cultura do aluno e são menos eficazes
para despertar o interesse do aluno. Como diz Paulo Freire, numa educação
imposta:
Ditamos
idéias. Não trocamos idéias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos
temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma
ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o
pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as
guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo
que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção
(FREIRE, 2001, p. 104).
Analisando-se
a questão a partir da citação acima, fica evidenciada a importância das idéias
de Paulo Freire, para uma educação contra a dominação, que favoreça suporte
para o confronto de idéias, valores que impregnam as discussões, sobre o
ensino. Percebe-se, aqui, um caráter extremamente abrangente.
Para Paulo
Freire, a formação ética acontece na educação, mais precisamente na sala de
aula, quando a sociedade, a escola, professor e aluno lutam por uma educação
transformadora, dialógica e conscientizadora. Na perspectiva de Freire, alunos
e professores são engajados numa dimensão crítica e criativa no processo da
construção do conhecimento, onde todos ensinam e todos aprendem um processo
criador e recreador ligados às próprias experiências existenciais e origens
culturais. Tanto professor quanto alunos percebem suas realidades criticamente
e criam conhecimento dentro e por intermédio do diálogo. Por esse motivo, o
aspecto relevante da pedagogia de Freire é sua perspectiva epistemológica no
processo de criar conhecimento; sua relação com as experiências existenciais e
culturais (FREIRE, 2002).
O diálogo, como diz o autor, é imprescindível nesta luta por uma educação
verdadeira, é um compromisso com o outro, e implica o reconhecimento do outro,
e é ele que permite ao educador e educando mostrar-se autenticamente mais
transparente mais crítico, cada um defendendo seu ponto de vista, e
apresentando outras possibilidades, outras opções, enquanto ensina e/ou
enquanto aprende. Em outras palavras, o diálogo é uma relação horizontal.
Segundo Freire nutre-se de amor, humildade, esperança, fé e confiança. O
diálogo é, portanto, uma exigência existencial, que possibilita a comunicação e
permite ultrapassar o conhecimento adquirido, vivido. Nesta relação dialógica,
ensinar e aprender são possíveis quando "o pensamento crítico do educador
ou educadora se entrega à curiosidade do educando". (...) Mas, para isso o
diálogo não pode converter-se num bate-papo desobrigado que marche ao gosto do
acaso entre professores ou professoras e educando (FREIRE, 2002, p. 118).
Para Freire o
ato de ensinar, de aprender e de conhecer é um caminho árduo, difícil, mas
muito prazeroso. A escola não deve restringir a educação à pura descrição de
conceitos em torno do objeto ou do conteúdo memorizados mecanicamente pelos
alunos. Sua preocupação é a formação global dos alunos em que conhecer
eintervir se encontrem. É preciso trabalhar as diferenças culturais e sociais,
reconhecê-las sem camuflar. Os educadores e educandos precisam descobrir e
sentir a alegria de se buscar o conhecimento, a curiosidade de aprender a
aprender, porque educar é formar, incluindo, necessariamente, a formação moral
do educando. Como nos mostra Freire, as conseqüências deste enfoque para o
ensino são enormes. Convém salientar que:
Ensinar é
assim a forma como toma o ato de conhecimento que o (a) professor(a)
necessariamente faz na busca de saber o que ensina para provocar nos alunos seu
ato de conhecimento também. Por isso, ensinar é um ato criador, um ato crítico
e não mecânico. A curiosidade do (a) professor (a) e dos alunos, em ação, se
encontra na base do ensinar-aprender (FREIRE, 2002, p. 81).
O ato de conhecer, de criar e recriar objetos faz da educação uma arte. A
educação é simultaneamente uma certa teoria de conhecimento entrando na
prática, um ato político, ético e estético. Gestos, entonações de voz, o
caminhar na sala de aula, poses, participam da natureza estética do ato do
conhecimento, do seu impacto sobre a formação dos estudantes através do ensino
(FREIRE, SHOR, 1986, p.145).
A arte, em
suas diversas atividades desperta nos alunos novos valores, desenvolvendo o
sentido de apreciação estética do mundo, recorrendo a referências e
conhecimentos básicos no domínio das expressões artísticas, exprimindo
sentimentos, emoções suscitados pelos textos, sensibilizando e estabelecendo
interações através de diferentes linguagens.
Numa
entrevista realizada por Ira Shor, a respeito da relação entre educação e a
arte, Freire argumenta:
Eu penso que
no momento em que você entra na sala de aula, no momento que você diz aos
estudantes, Oi! Como vão vocês?,Você inicia uma relação estética. Nós fazemos
arte e política quando ajudamos na formação dos estudantes, sabendo disso ou
não. Conhecer o que de fato fazemos, nos ajudará a sermos melhores (GADOTTI,
1996, p. 509).
Aponta que o
processo da educação é, necessariamente, um processo artístico. O professor é
um artista quando cria e recria o conhecimento, compartilhados com os alunos.
Neste aspecto a educação é, por natureza, um exercício estético. Evidentemente
isto indica um novo modelo de pensamento para um novo modelo de educação:
Outro ponto
que faz da educação um momento artístico é exatamente quando ela é, também, um
ato de conhecimento. Conhecer, para mim, é algo de belo! Na medida em que
conhecer é desvendar um objeto, o desvendamento dá "vida" ao objeto,
chama-o para a "vida", e até mesmo lhe confere uma nova
"vida". Isto é uma tarefa artística, porque nosso conhecimento tem
qualidade de dar vida, criando e animando os objetos enquanto estudamos
(FREIRE, SHOR, 1986, p. 145).
Diante do
exposto, o compromisso do professor, do profissional, consigo e com a
sociedade, é imprescindível para que se possa ser capaz de atuar, refletir,
criar e transformar a realidade. O que se observa é que o professor educa mais
pelo que ele é, pelos seus princípios que norteiam sua conduta, pelo exemplo,
do que pelo conteúdo que ensina.
Junto à
competência e ao comprometimento profissional, há ainda que destacar a
necessidade do educador viver intensamente sua prática educativa, que será
oportunizada também, por meio da coerência de suas atitudes e de seus valores.
Assim, fica evidente o papel eminentemente político do profissional da
educação, como diz Freire, "a força do educador democrata está na sua
coerência exemplar: é ela que sustenta sua autoridade. O educador que diz uma
coisa e faz outra, eticamente irresponsável, não é só ineficaz: é
prejudicial" (FREIRE, 2001b, p.73).
Paulo Freire ressalta que a falta de coerência em sua prática educativa demanda
desrespeito às diferenças do educando, à sua identidade cultural e/ou à sua
criatividade. Ao professor, compete o respeito aos padrões culturais de classe,
aos valores, à linguagem, ao conhecimento e especialmente a "forma de
estar sendo de seus alunos" (FREIRE, 2002).
É dentro
deste cenário que a escola precisa atuar com novos desafios aos educadores.
Paulo Freire destaca a necessidade de uma ética para a diversidade. Uma
sociedade multicultural, deve educar o ser humano a ser capaz de ouvir, de
prestar atenção ao diferente, de despertar sensações, sentimentos, de
respeitá-lo.
Freire
reafirma a necessidade do respeito à nossa sociedade, o respeito à coisa
pública, o respeito aos professores e aos alunos. É neste sentido que o autor
aponta, "o ético está muito ligado ao estético. Não podemos falar aos
alunos da boniteza do processo de conhecer se sua sala de aula está invadida de
água, se o vento frio entra decidido e malvado sala adentro e corta seus corpos
pouco abrigados"(FREIRE, 2000, p.34).
O respeito é
uma condição indispensável aos fundamentos de uma escola, de uma sociedade
democrática. Só assim, pode-se falar em princípios, valores, e na mudança da
ingenuidade a criticidade. Mas, para que aconteça essa passagem, é necessário
"uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e
boniteza de mãos dadas". Complementando, então "a prática educativa
tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza"
(FREIRE, 1996, p.36).O professor, que é consciente de seu papel formador,
respeita a natureza do ser humano, e trabalha os conteúdos levando em conta, e
principalmente respeitando, a formação moral e estética do educando.
Por isso o
ato de educar é sempre um ato ético. Simplesmente não há como fugir de decisões
éticas, desde a escolha de conteúdos até o método a ser utilizado ou a forma de
relacionamento com os alunos. É nesse sentido, que Paulo Freire adverte o
pensamento do professor que vê a ética apenas como uma disciplina filosófica
afastada da realidade. A título de exemplo, as palavras de Freire são
esclarecedoras:
Gostaria, por
outro lado, de sublinhar a nós mesmos, professores e professoras, a nossa
responsabilidade ética no exercício de nossa tarefa docente. Este pequeno livro
se encontra cortado ou permeado em sua totalidade pelo sentido da necessária
eticidade que conota expressivamente a natureza da prática educativa, enquanto
prática formadora. Educadores e educandos não podemos, na verdade, escapar à
rigorosidade ética. Mas, é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a
ética menor, restrita, do mercado, que se curva obediente aos interesses do
lucro (...) falo da Ética universal dos seres humanos, que condena o cinismo,
que condena a exploração da força de trabalho do ser humano (FREIRE, 1996,
p.16-17).
Freire critica severamente a ética em que se leva em conta apenas os próprios
interesses, que levam ao individualismo, negando a ética universal, vinculada à
humanização, preocupada com interesses e bens coletivos.
As suas
idéias pedagógicas fundamentam-se no fato de que o ser humano é inconcluso, que
busca o saber, o conhecimento e o seu aprimoramento. A ética e a estética
pressupõem uma mudança para enriquecer conceitos já estabelecidos, mas também
para introduzir os novos que respondem a uma nova relação estética com a
realidade. Este pensamento de Freire mostra que a busca do novo não significa o
abandono total do velho: o movimento em direção ao novo poderia ser feito,
resgatando os aspectos positivos do velho e, para que isso seja fecundo, não
bastaria só a ação de mudança. Esta ação seria acompanhada com o querer, com a
intencionalidade, com a vontade do querer fazer.
Por isso
mesmo é que mudar é difícil, porque não envolve apenas o sujeito que muda, como
também o outro. Daí que toda mudança é um conflito, é uma luta, porque:
quem muda
subverte. Por isso mesmo choca e, invariavelmente, passa a ser alvo de críticas
e até de punições. Não há facilidades para quem se lança a este desafio.
Suportar as pressões externas-além-das-internas- faz parte do intento.
Certamente este é o preço a ser pago pela ousadia de ser diferente. Por causa
disto, muitos desistem. É que, de um modo geral, não estamos habituados a arcar
com o ônus da desobediência. (ROSA, 1998, p.16).
A coerência
de Paulo Freire mostra-se nas opções éticas e estéticas que acompanham sua
práxis. Como diz literalmente, o grande educador e mestre Paulo Freire:
É preciso
ousar, no sentido pleno desta palavra, para falar em amor sem temer ser chamado
de piegas, de meloso, de a-científico, senão de anticientífico. É preciso ousar
para dizer cientificamente que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com
nosso corpo inteiro. Com sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os
medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com
esta apenas. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional
(FREIRE, 1993, p. 10).
O grande
sonho de Paulo Freire era o de uma educação aberta, democrática, que
estimulasse nos alunos o gosto da pergunta, a paixão do saber, da curiosidade,
a alegria de criar e o prazer do risco, para possibilitar, então, a criação.
Por Talma Bastos de Barros
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